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Carol Rossetti |
Dia desses fui ao supermercado numa véspera de feriado, e aconteceram coisas que me deixaram encucada por um bom tempo. Talvez se eu tivesse apenas deixado passar, como a maioria faz, e eu mesma tantas vezes, nem estivesse escrevendo esse post, mas tudo tem limite e vou desabafar sobre esses momentos.
Véspera de feriado, supermercado lotado, estresse e antecipação. Geralmente a receita pro desastre, o caminho pra despertar as reações menos polidas, pra falar as coisas mais grosseiras, pra dar os berros mais altos. Eu, infelizmente, estava absurdamente ciente de todo esse barulho ao meu redor.
Lá estava eu, tão tranquila quanto poderia (odeio a mistura fila+solidão+gente mal educada), quando passa uma moça e derruba uma lata de leite em pó. Tinha uma criança num carrinho perto da latinha caída, e o pai começou a berrar com ele "moleque! Derrubando as coisas!", e deu de pronto um tapa na cabeça do menino. Quando percebeu que eu olhava a cena desconcertada, rapidinho mudou a postura. Eu nem precisei dizer nada, ele viu que não tinha sido o filho. "Ai, desculpa. Ai, nem foi você, né filho?". Só que disse tudo olhando pra mim, com o maior sorriso amarelo do mundo. Me perguntei se ele estava pedindo desculpas pra mim ou pro filho, mas me perguntei mais ainda se ele teria tido essa reação se não tivesse ninguém olhando.
Passou um bom tempo quando apareceu um outro homem, do nada, empurrando o carrinho pra frente do meu. Eu perguntei o motivo e ele disse que sempre esteve ali (não sei em que dimensão, mas estava tão sem forças que deixei ele passar). Não bastando o constrangimento de aumentar o tom de voz pra passar na minha frente, ele não deu um passo de onde estava. Ficou do meu lado, me encarando da maneira mais incômoda possível. O espaço nas filas estava mínimo, e a falta de respeito já estava chegando aos limites quando o pai da criança apelou pra mais uma grosseria. A esposa estava empurrando o carrinho pela fila errada quando ele voltou e soltou a frase, aos berros: o que é isso, sua jumenta (pasmem vocês, jumenta)? Presta atenção! Porque tá na fila errada??? A mulher, sem entender nada, nem conseguiu responder.
Eu, sem acreditar, passei a mão pela testa como quem pede forças. Mas o que ele falou depois tirou todo restinho de paciência que eu tinha.
"Tá vendo??? Isso que dá deixar mulher no governo das coisas!"
Me virei devagar, e encarei ele séria, perguntando em seguida: "o que?". Ele logo viu a besteira que tinha dito, pois ao seu redor só havia mulheres. "Nossa, como eu digo uma coisa dessas perto de tanta mulher, né? Que coisa". Quer dizer então que é ok falar esse tipo de coisas se não tiver mulheres perto?
Juntando o pouco de forças que ainda tinha (eu estava particularmente exausta nesse dia), me virei e fiquei olhando pra frente, tentando entender o motivo daquela demora (a fila não andava, o homem não tinha ido para o lugar que tinha reclamado, e o de trás estava começando outra discussão com outras mulheres de outras filas).
Foi aí que a esposa do envolvido na invasão de carrinho e espaço apareceu. Me olhou de cima a baixo e perguntou pra ele: porque você tá do lado dela? Seu lugar não era na frente?
Fiquei calada e olhando pra frente, enquanto ele dizia: não, sua doida, eu to aqui porque na frente não tem espaço! Ela perguntou de novo porque ele não ia pra frente, que tinha ido procurar ele três vezes e ele não estava na fila, e começou outra discussão. Pela frequência que ela me olhava, ela devia estar pensando que eu era culpada pelo sumiço dele. Ou seja, se seu marido está olhando pra uma mulher numa fila e te tratando mal, a culpa deve ser da observada, e não do observador. Tamanha minha decepção quando eu percebi que a própria esposa apoiava o machismo do marido.
Agora mesmo, enquanto escrevo, estou assistindo ao filme "o apedrejamento de Soraya M.", baseado numa história que realmente aconteceu. É sobre as leis iranianas, a falta de direitos das mulheres e o quanto as decisões são tomadas baseadas no poder dos homens. Soraya foi condenada ao apedrejamento pelo ciúmes de seu marido, que viu adultério onde da parte dela só havia cuidado e preocupação com o marido de uma amiga falecida. É tão triste, tão real, que machuca. Numa outra oportunidade, assisto ao filme inteiro e venho contar a vocês.
Pra finalizar, queria dizer que tenho essa teoria de que quanto mais pessoas juntas, e mais ciente você está do que acontece ao redor, maiores as chances de desapontamentos grandes. Isso tudo que escrevi é pra dizer que nunca paro de me magoar com a selvageria disfarçada do ser humano. Não é normal bater nos outros, não é aceitável maltratar quem quer que seja. Lugar de mulher não é cozinha, mulher não pede abusos com a roupa que usa. É tanto absurdo que nem cabe num só texto. Eu nem sei se vocês vão conseguir entender o que estou escrevendo, mas espero de coração que entendam. E reflitam. Discutam.
É aos poucos que a gente muda o lugar onde vivemos, gente. Comodismo nunca levou ao progresso.
Se quiserem um site com conteúdo interessante para quem compartilha da ideia de que mulher deve ser livre de todos esses preconceitos, acessem o
Lugar de mulher.
E bom domingo a todos.