domingo, 15 de outubro de 2017

Pedaços

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Pedacinho a pedacinho, cada vez que alguém vai. É a sensação de ver o que você mais ama ir, e não poder fazer nada. É a agonia de ficar sem chão por alguns segundos que parecem intermináveis. É a breve falta de perspectiva, a sensação de "tá, e agora?". É a falta de identidade e personalidade momentaneamente. É a sensação de tudo, e de nada, ao mesmo tempo. É sufocante. É estridente. É dolorido. Parece impossível. Será que consigo mais uma vez?
É se desmontar inteira só para se remontar devagarinho. Procurar as peças desse quebra-cabeça eterno. De cada ida e vinda, de cada lágrima, cada abraço, cada sorriso, cada "me leva junto", cada "você sabe que eu queria".
Não quero ser ingrata, mas nesses momentos a única pergunta que surge é: será que eu consigo?
Quantos pedaços ainda restam? Pra quebrar, pra encontrar.
Dói.

domingo, 2 de abril de 2017

Sobre nascer na vida adulta

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 Você nasce, cresce, se desenvolve, estuda, aprende, cresce mais, passa pela adolescência sem muitos abalos, cresce mais, se torna adulto. Tudo isso em casa, no conforto e tranquilidade dos conselhos dos pais e amigos próximos, no aconchego de chegar em casa depois de um dia de cão na faculdade e poder ter tudo facilmente acessível. Novamente, sem muitos abalos.
Aí você precisa sair de casa, da sua bolha, e descobre que em casa você não era bem um adulto. Era um adolescente-quase-adulto, e estava na faculdade, com o desenvolvimento emocional acontecendo bem devagarinho. Simples assim. Crítico assim. Então você nasce de novo, ao entrar nesse mundo estranho em que, depois de um dia de trabalho, você chega em casa e encontra somente a sua mobília e a bagunça que deixou antes de sair. O seu jantar só vai existir se você fizer, independente do fato de estar tão cansado que mal consiga raciocinar. As coisas não vão se organizar "magicamente", e só vai ter o que você gosta que tenha se tiver a iniciativa de levantar e ir atrás.
Falando assim até parece que eu pensava que realmente as coisas aconteciam como na disney, com passarinhos e uma canção pra cada novo desafio. Não é isso. É que no conforto do antigo lar as coisas aconteciam, independente da minha atitude. Havia uma família, um sistema de suporte, havia conversas, discussões, polêmicas. Agora há silêncio.
No início, era bem ensurdecedor. Tão ensurdecedor que para que não ouvisse ele, eu tinha que deixar tudo ligado. Até que eu entendesse que quem grita não é o silêncio, é a saudade. A saudade dos sons familiares, daquela dinâmica que eu chamava de minha, e que agora não me pertence mais por esses dois anos. Agora, com 23 anos, tenho que inventar outra rotina. Outra dinâmica. E é bem esquisito, mas aos poucos as coisas se encaixam. Devagarinho, cortando o cordão umbilical, descobri tanto sobre meus hábitos e minha personalidade... Coisas que só descobri quando fisicamente me afastei de toda a minha família, para continuar a minha formação.
Cortar o cordão umbilical doeu mais do que eu imaginava, fui pega de surpresa, admito. Em alguns dias me pergunto se eu realmente preciso disso tudo, dessa reviravolta, dessas mudanças radicais.Dos dias difíceis. A resposta vem fácil. Sim, preciso. Todos precisamos.
A gratidão aparece quando você percebe que trocaria um domingo silencioso e sozinho por qualquer discussão em casa, mesmo que sempre saia magoado ou irritado. Quando preferiria uma bronca por algo que não fez, que estar sentado no seu sofá encarando a TV, pensando que amanhã tudo começa de novo, na sua rotina habitual. Sozinho.
Estar assim, fora do aconchego, amadurece os sentimentos. Traz a tona valores, gratidão, amor, saudade. Engrandece. Ensina.
E eu sempre adorei aprender.
Mãos a obra, então.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Pra ti, saudade.



Ô, saudade, bem que você poderia dar um tempo pra mim... sempre vem com esse seu jeito quieto, discreto, e de repente já tomou conta de tudo. Tá na hora que eu acordo, enquanto eu tento estudar ou na hora que vou dormir. Fica se insinuando, trazendo tudo que é lembrança boa a tona e me deixando aqui, com cara de tacho, vendo que você não para de crescer. Sabe o que é mais curioso? Não dá pra te matar.
A gente diz matar, mas nunca tem coragem. Afinal, você, no fim das contas, é lembrança de coisa boa. De risada alta, de conversa sem fim, de abraço apertado, de boas notícias, de beijo roubado. Saudade é entidade que confunde, difícil ser mais dúbia: tem dias que dá vontade de rir e tem dias que só causa lágrimas, pode dar um mau humor danado ou ser precursora de sorrisos quietos, silenciosos e conscientes do quanto foi bom poder viver tudo aquilo pra conseguir lembrar depois.

Saudade, tu é aquela marca que insiste em viver no coração, é o pensamento que esquenta noites frias e sozinhas. E pode ser tão inconveniente: aparece do nada, feito visita chata. Chega como quem quer dizer: "ué, mas já esqueceu? Não dá pra esquecer o que te faz feliz, lembra mais um pouco, vai..."
E vai se instalando...  fazendo morada. Traz escova de dentes, um livro pra passar o tempo e  pijamas. Quer ficar comigo toda hora e não desconfia. Desculpa, é que volta e meia você esquece que pode machucar tanto. Pode até parecer uma pedrinha no sapato, ué...
Mas meus sentimentos em relação a você são mistos, tá? Nossa relação é de amor e ódio. Não quero ser ingrata contigo, porque pensando bem, é bom que eu possa te sentir: quer dizer que já tive tantos momentos gostosos nesses 21 anos de vida. E eu até acredito que devemos colecionar momentos, não coisas.
 E eu acho que gosto tanto de ti porque você é parte de mim. Tá comigo desde a minha primeira inspiração e vai continuar por Deus sabe quanto tempo - até porque vou te carregar quando minha experiência nessa tal de Terra tiver fim. Sou feita de ti, no final das contas. Devo me aceitar, então te aceito, enfim. Até o "fim".

domingo, 3 de maio de 2015

Na fila do supermercado.

Carol Rossetti

Dia desses fui ao supermercado numa véspera de feriado, e aconteceram coisas que me deixaram encucada por um bom tempo. Talvez se eu tivesse apenas deixado passar, como a maioria faz, e eu mesma tantas vezes, nem estivesse escrevendo esse post, mas tudo tem limite e vou desabafar sobre esses momentos.
Véspera de feriado, supermercado lotado, estresse e antecipação. Geralmente a receita pro desastre, o caminho pra despertar as reações menos polidas, pra falar as coisas mais grosseiras, pra dar os berros mais altos. Eu, infelizmente, estava absurdamente ciente de todo esse barulho ao meu redor.
Lá estava eu, tão tranquila quanto poderia (odeio a mistura fila+solidão+gente mal educada), quando passa uma moça e derruba uma lata de leite em pó. Tinha uma criança num carrinho perto da latinha caída, e o pai começou a berrar com ele "moleque! Derrubando as coisas!", e deu de pronto um tapa na cabeça do menino. Quando percebeu que eu olhava a cena desconcertada, rapidinho mudou a postura. Eu nem precisei dizer nada, ele viu que não tinha sido o filho. "Ai, desculpa. Ai, nem foi você, né filho?". Só que disse tudo olhando pra mim, com o maior sorriso amarelo do mundo. Me perguntei se ele estava pedindo desculpas pra mim ou pro filho, mas me perguntei mais ainda se ele teria tido essa reação se não tivesse ninguém olhando.
Passou um bom tempo quando apareceu um outro homem, do nada, empurrando o carrinho pra frente do meu. Eu perguntei o motivo e ele disse que sempre esteve ali (não sei em que dimensão, mas estava tão sem forças que deixei ele passar). Não bastando o constrangimento de aumentar o tom de voz pra passar na minha frente, ele não deu um passo de onde estava. Ficou do meu lado, me encarando da maneira mais incômoda possível. O espaço nas filas estava mínimo, e a falta de respeito já estava chegando aos limites quando o pai da criança apelou pra mais uma grosseria. A esposa estava empurrando o carrinho pela fila errada quando ele voltou e soltou a frase, aos berros: o que é isso, sua jumenta (pasmem vocês, jumenta)? Presta atenção! Porque tá na fila errada??? A mulher, sem entender nada, nem conseguiu responder.
Eu, sem acreditar, passei a mão pela testa como quem pede forças. Mas o que ele falou depois tirou todo restinho de paciência que eu tinha.
"Tá vendo??? Isso que dá deixar mulher no governo das coisas!"
Me virei devagar, e encarei ele séria, perguntando em seguida: "o que?". Ele logo viu a besteira que tinha dito, pois ao seu redor só havia mulheres. "Nossa, como eu digo uma coisa dessas perto de tanta mulher, né? Que coisa". Quer dizer então que é ok falar esse tipo de coisas se não tiver mulheres perto? 
Juntando o pouco de forças que ainda tinha (eu estava particularmente exausta nesse dia), me virei e fiquei olhando pra frente, tentando entender o motivo daquela demora (a fila não andava, o homem não tinha ido para o lugar que tinha reclamado, e o de trás estava começando outra discussão com outras mulheres de outras filas).
Foi aí que a esposa do envolvido na invasão de carrinho e espaço apareceu. Me olhou de cima a baixo e perguntou pra ele: porque você tá do lado dela? Seu lugar não era na frente?
Fiquei calada e olhando pra frente, enquanto ele dizia: não, sua doida, eu to aqui porque na frente não tem espaço! Ela perguntou de novo porque ele não ia pra frente, que tinha ido procurar ele três vezes e ele não estava na fila, e começou outra discussão. Pela frequência que ela me olhava, ela devia estar pensando que eu era culpada pelo sumiço dele. Ou seja, se seu marido está olhando pra uma mulher numa fila e te tratando mal, a culpa deve ser da observada, e não do observador. Tamanha minha decepção quando eu percebi que a própria esposa apoiava o machismo do marido.  
Agora mesmo, enquanto escrevo, estou assistindo ao filme "o apedrejamento de Soraya M.", baseado numa história que realmente aconteceu. É sobre as leis iranianas, a falta de direitos das mulheres e o quanto as decisões são tomadas baseadas no poder dos homens. Soraya foi condenada ao apedrejamento pelo ciúmes de seu marido, que viu adultério onde da parte dela só havia cuidado e preocupação com o marido de uma amiga falecida. É tão triste, tão real, que machuca. Numa outra oportunidade, assisto ao filme inteiro e venho contar a vocês.


Pra finalizar, queria dizer que tenho essa teoria de que quanto mais pessoas juntas, e mais ciente você está do que acontece ao redor, maiores as chances de desapontamentos grandes. Isso tudo que escrevi é pra dizer que nunca paro de me magoar com a selvageria disfarçada do ser humano. Não é normal bater nos outros, não é aceitável maltratar quem quer que seja. Lugar de mulher não é cozinha, mulher não pede abusos com a roupa que usa. É tanto absurdo que nem cabe num só texto. Eu nem sei se vocês vão conseguir entender o que estou escrevendo, mas espero de coração que entendam. E reflitam. Discutam.
É aos poucos que a gente muda o lugar onde vivemos, gente. Comodismo nunca levou ao progresso.

Se quiserem um site com conteúdo interessante para quem compartilha da ideia de que mulher deve ser livre de todos esses preconceitos, acessem o Lugar de mulher.
E bom domingo a todos.


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